Rishikesh, India
Agosto 2009
Sepúlveda escreveu que "A Pátria de uma pessoa é onde ela se
sentir bem". Não podia concordar mais. Pátria não vem no passaporte, é uma
coisa de coração. E as coisas de coração não se escolhem sentem-se. Sinto-me
feliz e grata por ter a liberdade de escolher a minha Pátria. O Brasil é a
minha Pátria, foi onde eu nasci. Lá vivi por um ano, talvez um dos meus felizes
da minha vida. Lá poderia viver outra vez e penso que isso talvez aconteça. É a
minha terra natal.
Portugal é a minha Pátria. É onde cresci e tenho vivido. É o lugar
onde quero para já, continuar a viver, e ao qual me alegra sempre regressar
quando viajo. É a minha casa.
Mas se a nossa Pátria é onde nos sentimos bem, acho que a Índia
começa a ser também um bocadinho, a minha Pátria. Até porque nos últimos anos
tenho passado sempre pelo menos um ou dois meses do meu por aqui.
Sou apaixonada pelo sorriso da India. O sorriso dos Indianos é único e muito
peculiar. Todos sorriem das crianças e velhos, homens e mulheres, pobres e
ricos.
Por aqui nunca se faz um sorriso que não seja retribuído. Se
esboçarmos um subtil sorriso para quem quer que seja rapidamente teremos a
retribuição num enorme e aberto sorriso indiano.
Sorrisos que vem de dentro, e que nos fazem pensar porque é que deixamos
de sorrir. Ou simplesmente porque é que sorrimos tão pouco?
Porque não sorrimos mais uns para os outros? No trânsito, no trabalho, ou
simplesmente na rua para alguém que não conhecemos de lado nenhum?
Na cidade para onde venho estudar há um mendigo que como tantos na
Índia, tem uma deficiência nas pernas. Esta deficiência não lhe permite esticar
as pernas; estas estão sempre cruzadas, impedindo que ele se levante e
obrigando-o a viver ao nível do chão, arrastando-se e utilizando a força dos
braços para se movimentar.
Este mendigo passa o dia encostado no mesmo sítio, algures na
ponte de Ram Jhula. Tem sempre uma lata perto de si, esperando receber algumas
caridosas rupias. Não precisa de pedir. A sua deficiência é suficientemente
atroz e visível para quem passa. A sua deficiência hedionda é a sua ferramenta
de sobrevivência neste mundo e
a cultura indiana suporta estas pessoas. Para grande parte dos
Indianos é importante ajudar quem está abaixo, numa situação pior (e Deus sabe
que na Índia há sempre uma situação ainda mais abaixo). Por outro lado, as
rupias que se dão podem sempre valer uns pontinhos de karma….
Os turistas continuam o suporte. As rupias que se dão para se
puder fechar os olhos e não pensar mais em algo tão cruel.
Este mendigo tem o sorriso mais lindo do mundo. É um Indiano de feições muito
bonitas. Cabelo preto, pele escura que contrasta com o branco dos seus dentes.
Ele é novo, penso eu. Terá sequer a minha idade?
Ele sempre me sorri quando eu passo na ponte. Sorri-me
espontaneamente. Nunca me pediu uma rupia que fosse, nunca me indicou a sua
lata, a sua deficiência. Mantém a sua cabeça erguida e sorri-me. Quando eu
retribuo, o seu sorriso abre-se ainda mais num sorriso feliz.
Como pode este homem tirar de dentro de sim um sorriso que
expressa tanta felicidade?
Aceitação?
Alienação?
Um homem cuja situação desde sempre e para sempre será a mesma,
uma deficiência hedionda que o limitará a qualquer possibilidade de uma vida
feliz, um trabalho, uma família, um futuro
Como pode este homem ter este sorriso, dia após dia, todos dias.
Ou deverei perguntar antes porque o perdemos nós? Será que afinal
não é ele que está certo? Porque à primeira adversidade da vida perdemos o sorriso, perdemos
a alegria acusamos a vida , a justiça divina ou outro qualquer ser humano à
nossa volta do nosso infortúnio e miséria.
Quão injusto isto é tantas vezes. Para nós próprios, para todo o
planeta.
Parece-me que o dom da vida é suficientemente maravilhoso para
que, nem que seja de vez em quando, sorrirmos a alguém. Sorrimos com o coração.
Abrimos o coração através de um sorriso lindo, sincero.
<3
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